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Os quatro deliciosos ensaios de Entre a mentira e a ironia tratam a mentira e o exagero em todas as suas formas. Umberto Eco — o mais importante intelectual italiano deste século — fala do grande charlatão Cagliostro “o eterno arquétipo do homem sem qualidades”, e passa para “Os noivos”, de Manzoni, realçando a prevalência do ponto de vista dos humildes, os quais, instintivamente, evitam “disfarçar” a realidade do modo como os poderosos o fazem.Continua com uma explicação dos trabalhos e personalidade de Achille Campanile, finalizando com um breve ensaio intitulado “Geografia imperfeita de Corto Maltese”. Eco diverte-se e diverte-nos identificando os locais onde a linguagem entra em curto-circuito e contradiz, explodindo em ambiguidades e discrepâncias. Cagliostro mente com a palavra, com as roupas, com o comportamento, e mentem sobre Cagliostro as lendas que o transformaram de pequeno aventureiro em mito (ainda hoje mãos misteriosas e fiéis depositam flores na cela onde morreu, no castelo de San Leo), símbolo do livre-pensamento, vítima do obscurantismo clerical.Manzoni, embora em sua obra ensaística tenha dedicado à linguagem páginas bem mais complexas, sugere em “Os noivos” uma oposição entre linguagem verbal, veículo de mentira e engano, e signos naturais, através dos quais os humildes compreendem, mesmo quando os poderosos os enganam com seu latinorum.Campanile joga com a linguagem e seus clichês, vira frases feitas pelo avesso como luvas, provoca efeitos de estranhamento. Hugo Pratt joga com a geografia, que, aliás, conhece muito bem, e parte de mapas verdadeiros para torná-los improváveis, eludir os confins, fazer levitar as distâncias, e com elas a nossa imaginação.Mentem por ironia Campanile e Pratt, mente por interesse Cagliostro (ou talvez por condenação, tornando-se pouco a pouco prisioneiro de seu próprio mito), e Manzoni toma o partido, com indignação, dos pobres que sofrem as artimanhas da linguagem dos poderosos; mas na realidade — já que a ironia, ele também a pratica — faz ironia ao quadrado e condena as palavras através da palavra narrativa.
Ed. Record - 128 pág. - brochura
ENTRE A MENTIRA E A IRONIA - Umberto Eco
Os quatro deliciosos ensaios de Entre a mentira e a ironia tratam a mentira e o exagero em todas as suas formas. Umberto Eco — o mais importante intelectual italiano deste século — fala do grande charlatão Cagliostro “o eterno arquétipo do homem sem qualidades”, e passa para “Os noivos”, de Manzoni, realçando a prevalência do ponto de vista dos humildes, os quais, instintivamente, evitam “disfarçar” a realidade do modo como os poderosos o fazem.Continua com uma explicação dos trabalhos e personalidade de Achille Campanile, finalizando com um breve ensaio intitulado “Geografia imperfeita de Corto Maltese”. Eco diverte-se e diverte-nos identificando os locais onde a linguagem entra em curto-circuito e contradiz, explodindo em ambiguidades e discrepâncias. Cagliostro mente com a palavra, com as roupas, com o comportamento, e mentem sobre Cagliostro as lendas que o transformaram de pequeno aventureiro em mito (ainda hoje mãos misteriosas e fiéis depositam flores na cela onde morreu, no castelo de San Leo), símbolo do livre-pensamento, vítima do obscurantismo clerical.Manzoni, embora em sua obra ensaística tenha dedicado à linguagem páginas bem mais complexas, sugere em “Os noivos” uma oposição entre linguagem verbal, veículo de mentira e engano, e signos naturais, através dos quais os humildes compreendem, mesmo quando os poderosos os enganam com seu latinorum.Campanile joga com a linguagem e seus clichês, vira frases feitas pelo avesso como luvas, provoca efeitos de estranhamento. Hugo Pratt joga com a geografia, que, aliás, conhece muito bem, e parte de mapas verdadeiros para torná-los improváveis, eludir os confins, fazer levitar as distâncias, e com elas a nossa imaginação.Mentem por ironia Campanile e Pratt, mente por interesse Cagliostro (ou talvez por condenação, tornando-se pouco a pouco prisioneiro de seu próprio mito), e Manzoni toma o partido, com indignação, dos pobres que sofrem as artimanhas da linguagem dos poderosos; mas na realidade — já que a ironia, ele também a pratica — faz ironia ao quadrado e condena as palavras através da palavra narrativa.
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